Confraria do Jornalismo

segunda-feira, março 12, 2007

Jornalismo diversão

Outro dia, no ônibus, uma menina aponta um outdoor na rua e comenta com a mãe:

- Viu aquela propaganda ali? Aquele computador que a gente queria por R$ 2.229.
- Mas tem aquele outro, que já vem com Windows Vista, acho que é melhor.
- Windows Vista? O que é isso?
- Não sei bem o que é. Mas diz que é um negócio novo de computador.


Na hora, comecei a pensar se nós, jornalistas, estamos conseguindo cumprir o nosso papel de levar informação clara a quem espera por isso. Tomo por exemplo a situação que presenciei. Apesar do grande espaço dado na mídia dado desde o boato da criação do novo produto até seu lançamento, aquela senhora e sua filha não sabiam do que se tratava e se aquilo era útil a elas ou não.

Tecnologia pode não ser o tema mais geral e interessante para os (poucos) que lêem jornais e os (não muitos) que acompanham com atenção aos noticiários eletrônicos. Até porque vi uma pesquisa em uma revista que cerca de 60% dos gaúchos jamais acessaram a Internet e pouco mais de 50% nunca, insisto, em nenhuma oportunidade, utilizaram um computador. Mas tratamos como se fosse algo comum, e qualquer telejornal sugere procurar mais informações sobre uma notícia podem em seu site.

Não apenas na tecnologia não conseguimos ser claros. Na política, anunciamos a criação de projetos no Congresso, planos de aceleração do crescimento, mas não conseguimos mostrar como isso vai afetar o dia-a-dia da Dona Maria, como dizia o professor Leonam.

Na economia, periodicamente divulgamos a nova reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) para definir a taxa básica de juros no país (a famosa taxa Selic). Publicamos altas e baixas, a ata na semana posterior à reunião, mas não conseguimos deixar claro que, se a taxa cai, as pessoas deveriam cobrar de bancos, financeiras e lojas a redução de suas taxas em empréstimos, financiamentos e crediários.

Enquanto o ônibus lotado seguia seu curso entre avenidas esburacadas, me surgiu uma dúvida: o que explica o caso do esporte, no caso, do futebol? É impressionante a capacidade das pessoas de comentar os resultados da última rodada, táticas, os motivos pelos quais tal jogador deveria fazer a primeira função do meio-de-campo, quem os clubes de todo o mundo contrataram e venderam, onde anda fulano de tal...

Passou a ficar claro. Naquilo que as pessoas têm interesse, elas correm atrás de mais informações. Seja a novela, o Big Brother, o campeonato brasileiro... Enfim, lêem o que for entretenimento. Por isso, a mesma atenção não é dada à política e à economia, por exemplo.

Então, no que o jornalismo se torna? Para o povo, o que fazemos não passa de mais uma diversão qualquer. Nessa visão, a realidade estaria na novela das oito, nas letras do rapper do momento, ou na fala do padre/pastor na última missa/culto. O jornal apenas serviria para dar o horóscopo, o tempo, as fofocas ou embrulhar os ovos na feira.

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A última semana foi marcada pelo Dia Internacional da Mulher. Bom, e pela visita do Bush também. Mas, voltando às mulheres, a italiana RAI me deu uma experiência nova no último sábado. Vi, pela primeira vez, uma partida de futebol narrada por uma mulher. Diferenças? Apenas o tom da voz.

quarta-feira, março 07, 2007

A propaganda e a notícia

Lendo dia desses um dos grandes jornais de Porto Alegre, uma matéria me chamou a atenção. O texto focava em um dos gadgets do novo milênio, o blackberry. Em meio às vantagens do aparelho, havia o depoimento de três executivos. Coincidência ou não, os três trabalhavam em empresas de telefonia celular. Na página ao lado, outra coincidência: um anúncio de página inteira de uma dessas empresas.

Há cerca de dois anos, quando participei como conselheiro (uma espécie de leitor-ombudsman) do mesmo jornal, uma situação semelhante foi pauta da nossa reunião. Uma matéria de página inteira exaltava a boa fase dos empreendimentos imobiliários na serra gaúcha - aumento da procura, satisfação dos moradores/investidores, a beleza dos encantos turísticos da região, enfim... Na página ao lado, a propaganda de uma construtora anunciava o lançamento dos seus empreendimentos em Gramado e Canela. O detalhe é que esta empresa é, além de tudo, acionista do referido veículo.

Aliás, as duas matérias estavam em seções que não correspondiam diretamente a sua editoria - no caso, informática e imóveis.

Ainda não foi feito um estudo sobre o quanto as pessoas são influenciadas por essa forma de propaganda violenta, que invade as redações dos jornais. Mas que há um índice significativo que se se deixa levar, com certeza há.

O termo "pauta 500", pouco falado nas aulas do curso de jornalismo, é uma prática comum para quem vive a profissão. Significa que a matéria proposta não é do interesse coletivo, sem um teor noticioso prático, mas é benéfica "financeiramente falando". Em resumo, transformam a notícia numa publicidade barata e subliminar.

Ainda citando o primeiro exemplo, as empresas prestadoras de serviços telefônicos são as campeãs de queixas do consumidor pelo Procon. Ao mesmo tempo, basta abrir um jornal para perceber que elas são as maiores anunciantes dos veículos impressos. Qual a chance de ser publicada uma matéria criticando o trabalho das telefônicas? Praticamente nula. 

O Jornalismo há muito tempo rompeu a barreira do romantismo para afundar de vez na era da indústria. Os repórteres são meros rascunhos do que um dia idealizavam ser, tendo seu talento reduzido a uma métrica parnasiana de produção onde liberdade e inovação são palavras muitas vezes desconhecidas - o que é vergonhoso para grandes grupos de mídia pensarem assim.

Não digo que é um dever da nova safra de jornalistas mudar essa realidade. A história nos mostra que os erros cometidos pela elite tendem a se perpetuar pelas gerações seguintes. Essa é uma responsabilidade de todos que trabalham na área da comunicação, sejam veteranos ou focas. Impossível não é. Difícil é dar o primeiro passo e tornar-se um exemplo a ser seguido.

sábado, março 03, 2007

Jogo aberto nas redações esportivas

Reproduzo abaixo trechos do texto do jornalista Ilgo Wink na coluna "De Primeira", do jornal Correio do Povo desta sexta, dia 2 de março:

"Particularmente, detesto rotular e ser rotulado. Reacionário, comunista, liberal, gremista, colorado. As pessoas aplicam carimbos rapidamente. (...) Fora do ambiente de trabalho, o cronista esportivo tem a sua preferência clubística. Comigo é assim. Sou gremista, mas antes de tudo, sou jornalista 24 horas por dia. Tão jornalista, que quase não dá tempo para ser qualquer outra coisa. Até chego a esquecer que sou gremista."

É difícil ver um jornalista esportivo assumir assim a sua preferência futebolística, ainda mais no Rio Grande do Sul, tamanha a rivalidade entre Grêmio e Inter. Mas acredito que não deveria existir todo esse tabu, que leva alguns, quando questionados sobre isso, a responder que não gostam do esporte ou relembrar o nome do time do bairro.

Principalmente porque, como escreve Wink, indiferente da paixão pelo time está a dedicação à profissão. E cada vez mais venho me sentindo mais um torcedor do futebol do que de um time de futebol. Hoje assisto jogos mais para ver, entre outras coisas, um técnico fazer uma armadilha tática contra o outro time, uma equipe bem postada na marcação, apertando desde a saída de bola no campo adversário, e a inteligência de meias e atacantes que escapam destas arapucas.

Óbvio que me alegro com as vitórias do tricolor, mas deixei de sofrer tanto pelas derrotas ou ao ver nosso rival vencer. Não fosse assim, não teria sobrevivido ao último ano.

Afinal, para mim e outros torcedores, o pedibola (como queriam "aportuguesar" o futebol) nada mais é que um esporte, um entretenimento. Se me convidarem para ir ao Beira-Rio ver um jogo, vou sem problemas, no meio da torcida colorada, como já aconteceu antes. Agora, quem depende desses clubes para sobreviver sim, que batalhe, grite, xingue, comemore por horas e horas ou tenha crises quando a partida terminar.