A propaganda e a notícia
Lendo dia desses um dos grandes jornais de Porto Alegre, uma matéria me chamou a atenção. O texto focava em um dos gadgets do novo milênio, o blackberry. Em meio às vantagens do aparelho, havia o depoimento de três executivos. Coincidência ou não, os três trabalhavam em empresas de telefonia celular. Na página ao lado, outra coincidência: um anúncio de página inteira de uma dessas empresas.
Há cerca de dois anos, quando participei como conselheiro (uma espécie de leitor-ombudsman) do mesmo jornal, uma situação semelhante foi pauta da nossa reunião. Uma matéria de página inteira exaltava a boa fase dos empreendimentos imobiliários na serra gaúcha - aumento da procura, satisfação dos moradores/investidores, a beleza dos encantos turísticos da região, enfim... Na página ao lado, a propaganda de uma construtora anunciava o lançamento dos seus empreendimentos em Gramado e Canela. O detalhe é que esta empresa é, além de tudo, acionista do referido veículo.
Aliás, as duas matérias estavam em seções que não correspondiam diretamente a sua editoria - no caso, informática e imóveis.
Ainda não foi feito um estudo sobre o quanto as pessoas são influenciadas por essa forma de propaganda violenta, que invade as redações dos jornais. Mas que há um índice significativo que se se deixa levar, com certeza há.
O termo "pauta 500", pouco falado nas aulas do curso de jornalismo, é uma prática comum para quem vive a profissão. Significa que a matéria proposta não é do interesse coletivo, sem um teor noticioso prático, mas é benéfica "financeiramente falando". Em resumo, transformam a notícia numa publicidade barata e subliminar.
Ainda citando o primeiro exemplo, as empresas prestadoras de serviços telefônicos são as campeãs de queixas do consumidor pelo Procon. Ao mesmo tempo, basta abrir um jornal para perceber que elas são as maiores anunciantes dos veículos impressos. Qual a chance de ser publicada uma matéria criticando o trabalho das telefônicas? Praticamente nula.
O Jornalismo há muito tempo rompeu a barreira do romantismo para afundar de vez na era da indústria. Os repórteres são meros rascunhos do que um dia idealizavam ser, tendo seu talento reduzido a uma métrica parnasiana de produção onde liberdade e inovação são palavras muitas vezes desconhecidas - o que é vergonhoso para grandes grupos de mídia pensarem assim.
Não digo que é um dever da nova safra de jornalistas mudar essa realidade. A história nos mostra que os erros cometidos pela elite tendem a se perpetuar pelas gerações seguintes. Essa é uma responsabilidade de todos que trabalham na área da comunicação, sejam veteranos ou focas. Impossível não é. Difícil é dar o primeiro passo e tornar-se um exemplo a ser seguido.
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