Confraria do Jornalismo

sexta-feira, abril 20, 2007

O troco do Carlino

Abri o caderno que usei nas férias e vi, num canto, uma anotação de um post para o blog. Nem me lembrava mais.

Há um jornal italiano que se chama "Il resto del Carlino". A tradução seria "O troco do Carlino". Circula na região da Emilia-Romagna, onde estão cidades como Parma e Bologna.

Há algum tempo, existia na região um jornal que se chamava "Il Carlino". Esse era, na verdade, o nome dado à moeda necessária para comprar o jornal (é como se tivéssemos um jornal de R$ 1 chamado "O Beija-Flor").

Com o passar do tempo, o preço do jornal subiu, e um carlino não bastava mais para comprá-lo. Com isso, sobrava troco, que era utilizado para comprar qualquer outro diário. Para não perder leitores, a editora decidiu lançar um jornal menor, que custasse o preço do troco do Carlino, dando origem ao nome em italiano da publicação. Hoje, se não me engano, "Il Carlino" não existe mais. Mas "Il resto del Carlino" é um dos principais jornais da Romagna.

Aliás, esta é uma característica do jornalismo impresso italiano, a forte divisão dos jornais nas regiões. Os principais, de âmbito nacional, produzem edições regionalizadas. Entre os grandes, estão o Corriere della Sera (Milão), La Repubblica (Roma), Il Tempo (Roma), La Stampa (Turim) e periódicos esportivos diários, como a Gazzetta dello Sport (publicado em papel rosa) e o Corriere dello Sport.

quinta-feira, abril 12, 2007

Copa ou não Copa?

Nesta quarta, dia 11, membros do comitê da campanha da Colômbia para sede da Copa do Mundo de Futebol de 2014 resolveram retirar a candidatura. Com isso, o Brasil passa a ser o candidato único para receber o evento, uma vez que, por um rodízio estipulado pela FIFA, naquele ano a competição deverá acontecer na América do Sul. Não significa, no entanto, que a Copa vai acontecer no Brasil. O país ainda precisa cumprir os requisitos que a entidade solicita.



Ao ouvir essa notícia, tentei lembrar do primeiro colombiano que tomei conhecimento. Acho que foi o Higuita, ou o Valderrama. Como para mim ambos surgiram na mesma época, não sei quem veio primeiro. Mas com o tempo descobri outras pessoas como Pablo Escobar, Shakira, Fernando Botero, Álvaro Uribe, Gabriel Garcia Márquez até chegar ao Rentería.

Além das pessoas, aprendi uma característica do povo colombiano que admiro: a capacidade de ser humilde. Bom, independente da nacionalidade, saber admitir que o passo a ser dado pode ser maior que a perna é uma prova de inteligência. Infelizmente, em terras brasileiras isso não se aplica muito. Então você vê aquela situação do “bom, eu não sei fazer bem, mas posso tentar, com um jeitinho eu consigo”. O resultado é aquele: trabalho incompleto, sem qualidade e a necessidade de fazer tudo novamente, perdendo tempo.

Como torcedor do futebol, sempre gostei da idéia de uma Copa no meu país. Adoraria poder ver um jogo de seleções de outras partes do mundo (como os habitantes de Leipizig, que tiveram a chance de ver Irã x Angola no ano passado) e também a troca de culturas que isso permitiria. Mas agora que a possibilidade está se tornando real, começo a admitir que isso não é coisa para a gente, pelos investimentos necessários.

Claro, haveria um retorno destas ações. A Copa da Alemanha deu lucro na organização (20 milhões de Euros) e também influenciou até no resultado da economia do país no último ano. Balanço da Associação de Comerciantes indicou a geração de 2 bilhões de euros no setor (300 milhões só no setor hoteleiro e gastronômico) e 50 mil empregos. O governo arrecadou em impostos 7,2 milhões de euros dos prêmios distribuídos pela FIFA, mais 57 milhões do Comitê Organizador e 40 milhões com a venda de ingressos. Mas a Alemanha já tem uma economia e uma situação social adaptada a permitir este resultado.

O Brasil só vai ter sucesso na organização com um grande investimento privado. Não é nem pelo fato de que o dinheiro público deve ir para setores sociais. Dinheiro do governo em grandes obras é igual a desperdício, superfaturamento, desvio de verba, atraso nas obras e serviço porco.

Basta ver o que está acontecendo com o Pan 2007. Ninguém está publicando, até para não assustar o povo ou pra não fazer figura, mas as obras estão muito atrasadas e, sinceramente, acredito que não vão terminar no pouco tempo que falta. Até as obras das Olimpíadas de Pequim estão mais adiantadas.

Aliás, o Pan vai ser decisivo para pensar a Copa. A opinião pública, os delegados da FIFA e nossos representantes vão poder avaliar, com essa experiência, se em sete anos poderemos receber o segundo maior evento esportivo do planeta. Eu, por enquanto, estou dividido, mas quase pendendo para um lado. Acho que vou ter que ir longe para poder ver um jogo de Mundial.

sexta-feira, abril 06, 2007

O pedaço que falta

O Crocodilo, de Nanni Moretti

Em pouco mais de 60 anos de república, a Itália teve 60 formações de governo diferentes. Ou seja, praticamente uma por ano. Uma das figuras mais folclóricas e controversas a ocupar o posto de primeiro-ministro foi o magnata Silvio Berlusconi, que ficou no poder pelo período mais longo da história republicana do país, ao ocupar o cargo de “Presidente del Consiglio dei Ministri” entre 2001 e 2005, num total de 3 anos, 10 meses e 12 dias!

É sobre essa figura que se constrói a história de O Crocodilo, filme do diretor italiano Nanni Moretti. O nome é igual em italiano, “Il Caimano”, que é também o apelido dado ao ex-primeiro-ministro em um artigo do jurista Franco Cordero no jornal “La Repubblica”.

Acima das questões políticas, o espectador encontra um filme sobre como fazer um filme. É o cinema falando do cinema. Começa pela definição do roteiro, a procura por financiamento, atores, produção de cenários e a finalização do processo, cortando boa parte do planejado pela falta de recursos.

Um produtor de cinema, falido nos negócios e no amor, tentar mudar a situação fazendo um novo filme. Mas ele perde sua primeira idéia para uma rede maior, e resta apenas o roteiro que lhe foi entregue por uma jovem roteirista. Sem ler o roteiro, dá continuidade ao projeto e não percebe que o texto que tem em mãos é sobre Berlusconi.

Ao longo da narrativa, Moretti constantemente provoca seus conterrâneos a repensarem o país. Seja pela figura do investidor polonês que sempre se refere ao país no diminutivo (“Vocês são muito engraçados. Vivem nessa Italiazinha e se dão por satisfeitos assim”) ou por meio de frases como “O mundo inteiro ri de nós” e “Lá fora ninguém consegue entender como ele pôde nos paralisar por tanto tempo”.

O filme é marcado por buscas. O produtor está atrás da recuperação de seu casamento, o que acredita ser possível com a realização do filme, mesmo objetivo da jovem roteirista, que também almeja escancarar um figurão político do país, pois não admite que isso ainda não tenha sido feito. A esposa do produtor, por sua vez, deixou de ser atriz para tentar a carreira no canto lírico.

Mas a procura mais significativa é a do filho do produtor, que não consegue encontrar a pecinha do jogo de montar para concluir sua nave espacial. Por mais simples que pareça, simboliza as buscas das demais personagens e é o próprio retrato da Itália. Após um período de recuperação no pós-guerra, o país tinha tudo para entrar num caminho de desenvolvimento, mas uma dessas peças se perdeu e até hoje os italianos a procuram, sem mesmo saber qual é.

Mas quem é Berlusconi?

As melhores respostas achei no site da BBC. Homem mais rico da Itália, e um dos 14 do mundo, é proprietário de um império que envolve comunicações, publicidade, seguros, alimentos e construção, além de ser o proprietário do Milan, time de futebol onde hoje jogam Dida, Cafu, Kaká, Ricardo Oliveira e Ronaldo.

Outra característica de destaque é a capacidade de fugir de acusações de corrupção. Mas esta é conseqüência de um comportamento que um italiano me explicou e fica bem explícito no filme. Lá não há um debate racional sobre Berlusconi. Ou você ama, ou você odeia. Mais ou menos o que acontece aqui com Paulo Maluf, Antonio Carlos Magalhães, Fernando Collor, Anthony Garotinho...

E se alguém acha que o Lula ou Bush são campeões nas gafes, Berlusconi também entra no páreo, e vem com tudo.

1) No discurso na presidência do Parlamento Europeu, em 2003, ao falar com o representante alemão Martin Schulz:
Sei que na Itália estão produzindo um filme sobre os campos de concentração nazistas. Eu poderia lhe indicar ao papel de Kapo (guarda escolhido entre os prisioneiros). Seria perfeito
Diante da retaliação do representante espanhol, que pediu mais respeito e que retirasse as palavras ditas, respondeu:
Para vocês falta o sol da Itália. Vocês deveriam ir mais ao nosso país como turistas, porque aqui são turistas da democracia!

A cena, que também entrou em “O Crocodilo”, está no YouTube: http://www.youtube.com/watch?v=9HtmfCyVMbU

2) Sobre o conflito pela condição de dono de uma empresa de comunicações e o cargo de primeiro-ministro: “Se eu, cuidando dos interesses de todos, também me preocupar com os meus, não se pode falar em conflito de interesses”

3) As auto-definições, as melhores:
- Eu sou Jesus Cristo da política. Sou uma vítima paciente, agüento a todos, me sacrifico por todos.

- O melhor líder político da Europa e do mundo.

- Não tem ninguém no cenário mundial que possa competir comigo.

- O homem certo no emprego certo.

- Eu não vou para meu escritório pelo poder. Tenho casas por todo o mundo, navios estupendos, belos aviões, uma bela esposa, uma bela família. Eu vou lá para fazer um sacrifício.

- Na Itália sou visto como quase um alemão pelo meu “workaholism”. E eu sou de Milão, cidade onde as pessoas trabalham mais. Trabalho, trabalho, trabalho – sou quase um alemão”


E tem mais: http://news.bbc.co.uk/2/hi/europe/3041288.stm

A propósito:

O cinema argentino se especializou em refletir os problemas sociais do país e consegue retratar muito bem os seus anos de ditadura. O cinema italiano investe no realismo e tem obtido bons resultados. Aqui, os principais filmes ainda são de humor ou para o público infantil. Salvam-se raras exceções, como “Doces Poderes” (1996), de Lúcia Murat, ou os filmes de Sérgio Bianchi (“Quanto Vale ou É por Quilo?” e “Cronicamente Inviável”, verdadeiros socos no estômago da classe média metida a elite). Mas tem muito brasileiro merecendo um filme como “O Crocodilo”. Quem poderia ser o primeiro?